sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Clécia Queiroz - Entrevista ao Noite Ponto Som

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Entrevista – Uma entusiasta do Samba

Não existe na música baiana canto e dança tão singular e elegante como o da cantora Clécia Queiroz. Parece elogio de fã mais não é. De fato, é agradável ouvir seu recente disco, Samba de Roque, uma compilação de músicas do compositor, Roque Ferreira, onde a cantora expressa afeição e sintetiza respeito místico ao trabalho do autor. O disco, conta com arranjos elaborados, além disso, a banda que gravou é afinada, madura e produz um som com uma identidade toda própria. Já no palco, a atuação de Clécia cria um misto de gêneros do samba-de-roda, onde ecoa legítimos personagens do universo popular cotidiano. A formação e mestrado em dança da cantora ajudam há transmitir novas sensações ao público, em suas apresentações. Além do canto refinado, a cantora é uma mente inquieta. Em entrevista exclusiva, ao blog NOITE PONTO SOM, Clécia Queiroz sempre busca algo de relevante para transformar a cena de samba na cidade. Algo que traduz como inovação e que bem define o seu recado. “Em 2003 criei um projeto chamado Casa do Samba. Isso numa época em que quase ninguém falava de samba em Salvador, e não havia espaços reservados a esse gênero musical, que é a raiz de toda musicalidade brasileira”, relembra. Nessa entrevista, a cantora fala sobre sua carreira, shows fora do Brasil, parcerias, projetos e o atual disco. Confira.



NOITE PONTO SOM - Como iniciou sua relação com a música e quando pensou em fazer disso profissão?
CLÉCIA QUEIROZ - A música surgiu na minha vida quando completei 15 anos e ganhei um violão de presente de aniversário. Estudei música erudita e popular, participei de um festival no Colégio Marista, ganhei em primeiro lugar, mas não pensava em ser cantora, aliás, era a última coisa que poderia imaginar. Não me acreditava, nem me imaginava como cantora. Foi participando como atriz em musicais que de repente as pessoas e os críticos de jornais começaram a falar de minha voz e assim comecei a pensar que poderia fazer um show. E o primeiro deles, me trouxe muitas alegrias como, por exemplo, ter recebido quatro indicações no Troféu Caymmi, incluindo a de melhor intérprete. Daí em diante não parei mais de cantar.



NOITE PONTO SOM - E o gosto pelo samba como surgiu?
CLÉCIA QUEIROZ - Costumo dizer que o grande barato do samba-de-roda é que ele é múltiplo: ritmo, melodia, texto, dança, encenação e participação da audiência. E o meu gosto pelo samba vem através do corpo no samba-de-roda. Aos 13 anos entrei numa escola de dança que incluía muitas linguagens e uma delas era a de dança popular com Mestre King. No primeiro momento em que me ensinaram a dançar o samba de roda, saí dançando como se aquilo fizesse parte da minha vida desde sempre. Logo fui convidada, ainda criança a fazer parte do grupo de dança do Sesc e comecei a atuar como dançarina ainda muito jovem. Minha paixão pelo samba-de-roda aumentou com a pesquisa de Neuza Saad (Bebé) na Escola de Dança da Ufba, onde me graduei. Com ela fiz parte do grupo e de dois grupos de dança. O samba de roda era uma das molas mestras desses trabalhos. Depois, já como cantora, quis trazer essa pesquisa para o meu trabalho musical e em 2003 criei um projeto chamado Casa do Samba. Isso numa época em que quase ninguém falava de samba em Salvador e não havia espaços reservados a esse gênero musical, que é a raiz de toda musicalidade brasileira.



NOITE PONTO SOM – De quando há quando funcionou a Casa do Samba?
CLÉCIA QUEIROZ - Funcionou entre agosto de 2003 e julho de 2004, sempre às sextas feiras e envolveu muitos compositores de samba da velha e da nova geração, além de muitos cantores que junto comigo somente cantavam samba nos shows do projeto.

NOITE PONTO SOM – Quais nomes passaram por esse projeto?
CLÉCIA QUEIROZ - Passaram por ali nomes como: Walmir Lima, Edil Pacheco, Roberto Mendes, Raymundo Sodré, Batifum, Lazzo, Gerônimo, Carla Visi, Andréa Daltro, Ilê Ayê, Paulinho Boca de Cantor, dentre outros.



NOITE PONTO SOM – E por que foi extinto?
CLÉCIA QUEIROZ - Porque recebi uma bolsa de estudos da Fundação Ford para fazer mestrado nos Estados Unidos. Quando voltei, retomei o projeto de samba em 2007, fazendo shows semanais em alguns espaços de Salvador como Tom do Sabor e Jequitibar Café, varanda do Teatro Sesi - Rio Vermelho, que culminou na gravação do CD “Samba de Roque”.



NOITE PONTO SOM – Quais são as suas principais influenciais musicais?
CLÉCIA QUEIROZ - No samba, além das já citadas, são Dorival Caymmi, Carmem Miranda, Paulinho da Viola, Elza Soares, Martinho da Vila, Wilson Simonal, Elis Regina. Ultimamente, tenho ouvido muito os grupos de samba do Recôncavo com; Samba Chula de São Brás, Samba Swerdick (D. Dalva), Esmola da Cadeia, Roberto Mendes e uma jovem cantora paulista chamada Juliana Amaral.



NOITE PONTO SOM - Quando e como conheceu o sambista Roque e porquê de gravar um CD com músicas dele?
CLÉCIA QUEIROZ - Estava buscando canções para o meu CD, que tivesse a ver com o samba de roda e, ao mesmo tempo, com o candomblé, pois, estava pesquisando a mistura de ritmos oriundos da tradição afro-brasileira com o samba. Daí ouvi uma canção linda no show de J. Velloso e ele me disse que era de Roque. Liguei, então, para Roque e pedi músicas. Ele me deu a princípio seis canções que não eram exatamente samba-de-roda. Pedi, então, mais algumas. Ele me deu mais onze. Apaixonei-me por todas e terminei decidindo fazer um CD inteiro com música dele.



NOITE PONTO SOM – Roque Ferreira é um compositor bastante requisitado no meio artístico...
CLÉCIA QUEIROZ - Ele tem mais de 400 músicas gravadas por artistas como Zeca Pagodinho, Dudu Nobre, Martin’ália, Maria Bethânia, Alcione e não tem na sua própria terra o reconhecimento que merece. A partir do nosso CD, o Jornal A Tarde fez uma matéria de duas páginas inteiras com ele e o nome dele começou a circular mais. Algumas cantoras na Bahia e de fora do Estado já disseram que vão gravar CDs com músicas dele. A Maria Bethânia acaba de lançar um CD com algumas canções do Roque. Isso já é uma felicidade imensa que este trabalho me deu.



NOITE PONTO SOM – O CD conta com outras participações especiais?
CLÉCIA QUEIROZ - O CD traz 11 faixas de canções de Roque Ferreira, e por isso o nome “Samba de Roque” – e duas faixas bônus: uma com um pout porri de samba-de-roda de domínio público e outra com um samba de Dona Dalva Damiana de Freitas, grande sambadeira e compositora de Cachoeira. Eu fiz uma canção com Roque, mas vai ter que ficar para o próximo CD, pois já havíamos terminado o disco quando ela aconteceu.



NOITE PONTO SOM - Os arranjos de Samba de Roque, além de muito bem trabalhado, percebe-se uma valorização no seu timbre vocal na interpretação das canções. Quem realizou a direção artística?
CLÉCIA QUEIROZ - A direção artística é minha e de Vítor Queiroz meu sobrinho, meu grande colaborador, que é mestre e pesquisador do jongo e do samba. A direção musical é de Dudu Reis, mas o CD tem muito da minha concepção e os arranjos são meus, de Dudu, de Edú Nascimento, Keko Villarroel de todos os músicos que participaram do trabalho. Além do engenheiro de som André Rangel, que teve participação ativa no trabalho.



NOITE PONTO SOM – É um disco independente? Quanto tempo levou para ficar pronto?CLÉCIA QUEIROZ - Nós trabalhamos muito juntos, trocando idéias, ensaiando muito antes de entrar no estúdio mesmo porque o CD foi feito sem patrocínio e não podíamos perder tempo no estúdio. Na verdade, ele levou um ano e meio até ficar totalmente pronto, exatamente pela falta de recursos, uma vez que, gravar um CD independente é muito caro. Uma vez gravado, ainda em processo de mixagem e prensagem, começamos a trabalhá-lo em shows, e fizemos isso durante todo o verão de 2009. Finalmente fizemos um pré-lançamento no Projeto Música no Parque, e depois ocorreu o lançamento oficial para convidados na Sala do Coro, no Teatro Castro Alves, e para o público em geral no Teatro Acbeu em outubro. Agora estamos lançando-o em outros espaços e cidades da Bahia.



NOITE PONTO SOM - Em que estúdio o disco foi gravado?
CLÉCIA QUEIROZ - No DuartEstúdio. Fomos os primeiros a inaugurar o estúdio.



NOITE PONTO SOM - O disco Samba de Roque têm um trabalho de encarte visual belíssimo. Como surgiu esse conceito?
CLÉCIA QUEIROZ - O projeto gráfico é de Thiago Massaki, um estudante de Design Gráfico da Universidade Estadual da Bahia (Uneb). Foi seu primeiro trabalho e desenvolvi com ele o conceito e idéias. Thiago é um grande artista, sensível e muito aberto. Foi de fato um encontro maravilhoso entre nós.



NOITE PONTO SOM - Além de atentar para qualidade no canto das canções de forma delicada e afinada, é notório em seus shows o trabalho visual. Como é realizada a concepção de seus shows?­
CLÉCIA QUEIROZ - Sou dançarina formada pela Ufba, atriz desde menina, cantora e mestre em Performance Arte pela Howard University (EUA), além de ter estudado Mímica Corporal Dramática por quatro anos. Então, como pode ver, sou uma pessoa da encenação. O figurino, o texto das canções e a performance corporal são tão importantes quanto a música. Trato cada canção como se fosse um texto de teatro e o figurino é idealizado por mim a partir do que descubro com a performance e, ao mesmo tempo, a performance vai se reafirmando e modificando a partir dele. Sempre foi assim nos meus trabalhos. No Samba de Roque, temos também a participação especial de duas dançarinas profissionais, além de onze crianças da Escola de Dança da Ufba, da qual sou coordenadora pedagógica. Criança é sempre um presente e esses meninos, dez garotas e um garoto, são bem especiais, sabem o que é dança popular e a realizam com muito profissionalismo.



NOITE PONTO SOM - Seu nome é visto em importantes festivais culturais em paises como Alemanha, Espanha e Estados Unidos. Quais as principais questões em tocar fora do Brasil?CLÉCIA QUEIROZ - O objetivo é divulgar nosso trabalho que fala muito da nossa terra, e das nossas raízes, portanto, divulgar nossa cultura. Fomos sempre muitíssimo bem recebidos. A dificuldade de não estarmos mais atuantes fora do país é porque as passagens aéreas para muitos músicos é item muito caro para o contratante. Se não fosse isso estaríamos muito mais presentes na Europa e nos Estados Unidos, pois convites não faltam.



NOITE PONTO SOM - Em sua opinião, quais são as mudanças mais substâncias musicalmente e culturalmente em seu trabalho após tocar fora do Brasil?
CLÉCIA QUEIROZ - Tocar fora do país faz reafirmar nossas raízes, pois somos mais valorizados por ela lá do que aqui. A Bahia não costuma reconhecer seus próprios talentos, mas no exterior eles admiram e se encantam com nossa musicalidade e performance. Foi difícil voltar para a Bahia, pois, havia me tornado a cantora da embaixada do Brasil em Washington. Meu visto estava acabando e o cônsul queria me legalizar para que eu não voltasse. Mas eu tinha família aqui e não queria estar longe de minha terra pra sempre.



NOITE PONTO SOM - Nos seus shows a multiplicidade de pessoas notáveis do universo baiano são traços marcantes. De onde vem tanta criação?
CLÉCIA QUEIROZ - A inspiração vem da minha história com o mundo de teatro, dança, performance. Sou uma curiosa da nossa gente, da nossa cultura. Desejo mostrar os personagens que habitam nossas ruas e que fazem à história do samba. Então, estudo e levo isso para o palco. Os turistas, daqui do país e de fora, amam isso. Tenho ouvido dos turistas nas apresentações que fazemos aqui em Salvador, as coisas mais lindas que já ouvi. As pessoas nos levam no coração. Fora do país é a mesma coisa. Fizemos shows em Vic, Barcelona, Frankfurt, Berlim, Los Angeles, Filadélfia, Washington... Nesta última fiz muitos shows.



NOITE PONTO SOM – Fora do país à platéia é formada mais por brasileiros ou estrangeiros?CLÉCIA QUEIROZ - A princípio, a platéia era formada basicamente por brasileiros, mas a partir do terceiro show, passamos a ter 80% de americanos. Os meus próprios professores na Howard University se encantavam com minha forma de cantar e mover em palco. E antes de eu voltar me disseram que eu havia mudado a concepção dos meus colegas de jazz. Pois, eles nunca usavam o corpo para cantar, e agora eles tentavam se expressar corporalmente a partir do contato comigo. Fiquei muito feliz com isso.



NOITE PONTO SOM - Apesar da democracia que a internet trouxe em termos de divulgação artística, em sua opinião, o que ainda falta para que o cenário baiano possa se fortalecer neste quesito?
CLÉCIA QUEIROZ - Falta que mais pessoas tenham acesso a internet. Ainda não temos no Brasil um contato tão intenso de toda população com a rede, como acontece nos Estados Unidos, onde absolutamente tudo é feito através dela. Muitas pessoas aqui não têm computadores e precisam de dois ou três dias para se conectar. Acho que ainda vai demorar um tanto para que usemos mais intensamente a internet como ferramenta para acesso à cultura.



NOITE PONTO SOM - O samba é um gênero musical diferente do axé music. Na Bahia, atualmente, o axé music se fortaleceu de forma, digamos, imortal como o samba. Não fazendo comparações no quesito qualidade entre eles. Mas, como avalia o rumo do samba feito na Bahia, o que se preocupa com a fidelização a música e a poesia?
CLÉCIA QUEIROZ - Apesar do samba-de-roda ser a raiz da música brasileira, ele não se firmou aqui como no Rio de Janeiro. De cinco anos para cá a gente passou a ver o samba mais presente em Salvador, e acho que nosso projeto Casa do Samba contribuiu bastante para isso, além da persistência de Edil Pacheco, Walmir Lima, os Irmãos Trabuco, Raymundo Sodré, Roberto Mendes e do pessoal do Recôncavo – Mestre Zeca Afonso do Samba Chula de São Braz, Zé de Lelinha, João do Boi, Dona Dalva Daminana de Freitas (Cachoeira)... Também o fato do samba-de-roda ter sido considerado Patrimônio Imaterial da Humanidade contribuiu para que novos cantores surgissem e agora estamos com bastante gente fazendo samba. Isso é ótimo! O samba tem que estar na sala de estar da nossa música e não apenas em guetos. Deve ser reconhecido como nossa mola mestra e raiz. Quanto à fidelização da música e da poesia, existe e sempre vai existir, música imediata, que vem e vai com a mesma força, e música que fica pra sempre. A maioria das emissoras de rádios têm assumido o papel de valorização do consumo imediato, o que é uma pena. Mas os bons compositores estão aí e cabe a nós cantores valorizá-los e trabalharmos junto com eles.



NOITE PONTO SOM - Quais são seus projetos futuros, como cantora, compositora e atriz?CLÉCIA QUEIROZ - No momento estou cuidando da divulgação do meu novo CD, tanto aqui no estado da Bahia como fora dele. Pretendo levá-lo para o exterior também. Isso já é muito trabalho, uma vez que, sou uma artista independente. Como compositora sou muito preguiçosa. Só faço música quando tenho tempo ou necessidade para algum trabalho que pretendo fazer. Então deixo ela acontecer naturalmente. A atriz e a dançarina estão incorporadas no meu trabalho musical. Mas tenho saudade do teatro e espero fazer um musical em breve.

A cantora Clécia Queiroz recebeu as seguintes premiações:
Bolsa de Mestrado nos Estados Unidos - Concurso Nacional Programa Bolsa da Ford Foundation – 2003Mensão Honrosa da Howard University – Uma dos cinco exemplos de toda Pós GraduaçãoPrêmio Copene de Cultura e Arte - Categoria Música - 2º. Semestre 1996Troféu Caymmi Ano IX - indicação como melhor intérprete - Show "Blue Moon".Troféu Bahia Aplaude - premiação como melhor atriz - Espetáculo de Imagens Musicais "Ade Até".Troféu Bahia Aplaude - indicação como melhor atriz - 1º. Semestre de 1997 - Espetáculo Musical "Abismo de Rosas".CD - Conspiração Baiana (Various Artists) - Tropical Music Records inc. publici.CD - Chegar à Bahia- 1º. CD soloCrédito das fotos – Rafael Martins



Entrevista concedida a Nérivaldo Góes - http://www.noitepontosom.blogspot.com/

Um comentário:

Unknown disse...

Resposta: Eu mereço ganhar o CD "Samba de Roque", de Clécia Queiroz, porque sou um baiano que moro em Belo Horizonte há mais de vinte anos. Conheci o talento da cantora há cerca de cinco anos, quando comprei a coletânea "Conspiração Baiana - New Dimensions of Axé Music", que pra minha grata surpresa trazia Clécia interpretando uma linda canção para Oxum, acompanhada no disco por outros grandes nomes da música baiana, como Gerônimo, Lazzo, Mariella Santiago, Book Jones, Agbeokuta, etc. Felizmente, junto de Clécia fiquei conhecendo uma bela conspiração de artistas alternativos da Bahia. Agora, há pouco mais de uma semana, descobro a cantora na rede social e estou muito curioso para conhecer seu novo trabalho no momento.
Respondi bem?
Abraços e axé,
George Cardoso
produtor cultural
www.bebopcultura.blogspot.com